Nova estratégia

No Brasil, 90% das empresas são familiares e respondem por mais de 60% do PIB nacional. No entanto, apenas 30% delas sobrevivem à terceira geração, segundo o Banco Mundial, e a falta de planejamento sucessório é apontada como a principal causa dessa fragilidade. O que separa as empresas que prosperam por décadas daquelas que desaparecem precocemente? A resposta pode estar em uma tendência que vem ganhando força no mercado corporativo: o conselho de herdeiros.

Um espaço onde jovens herdeiros, ainda em formação, aprendem não apenas a administrar um negócio, mas a compreender seus valores, desafios e responsabilidades como futuros líderes. Esse é o propósito do conselho de herdeiros, uma estrutura que está redefinindo a forma como as famílias empresárias preparam suas novas gerações. Empresas como Magalu, Votorantim e Weg já adotaram modelos semelhantes, combinando tradição com inovação para garantir que o legado não se perca no tempo. Mas como exatamente esse mecanismo funciona? E por que ele se tornou um pilar indispensável para a governança corporativa moderna?

"Nem todo herdeiro tem perfil para ser gestor, mas todos precisam entender seu papel como sócios"

O conselho de herdeiros em ação

O conselho de herdeiros é um órgão consultivo que reúne membros da família de todas as idades para discutir o futuro da empresa. Diferente do conselho de administração tradicional, seu foco não é a tomada de decisões operacionais, mas a formação de uma mentalidade estratégica entre os sucessores. Segundo a PwC, apenas 24% das empresas familiares têm um plano de sucessão estruturado, o que explica os conflitos que frequentemente levam à venda ou falência do negócio. 

A grande inovação desse modelo está em separar os papéis de família, sócio e funcionário, como destacou Gilson Faust, especialista em sucessões familiares: "Nem todo herdeiro tem perfil para ser gestor, mas todos precisam entender seu papel como sócios". Ao integrar jovens desde cedo, o conselho permite que desenvolvam habilidades críticas, como análise de resultados, gestão de riscos e alinhamento de valores, antes de assumirem cargos executivos.

Como funciona?

Na prática, o conselho de herdeiros opera como uma escola de liderança. Na rede de supermercados Jacomar, por exemplo, 20 membros da terceira geração participam de reuniões mensais híbridas, discutindo desde modernização de processos até a preservação da cultura organizacional. Priscila Fantin, herdeira de 27 anos, destaca: "Nosso desafio é adaptar os valores fundadores aos novos tempos, sem perder a essência". 

Além disso, herdeiros mais envolvidos podem acompanhar reuniões do conselho de administração como ouvintes, absorvendo conhecimentos técnicos e estratégicos. Esse modelo foi crucial para a família Nichele, dona de uma rede de materiais de construção em Curitiba. Após uma sucessão mal planejada, a consultoria GoNext ajudou a definir papéis claros: um filho assumiu a CEO, enquanto as filhas lideraram áreas financeiras e comerciais, e um profissional externo foi contratado para o marketing.

Definir critérios claros para a entrada de herdeiros na empresa, como experiência externa ou formação específica, assegura que apenas os preparados assumam cargos estratégicos.

Governança corporativa

A eficácia do conselho de herdeiros depende de uma governança robusta. Segundo o IBGC, a governança familiar deve garantir "sustentabilidade, proteção de ativos e alinhamento com stakeholders", enquanto a corporativa foca na gestão profissionalizada. Instrumentos como o protocolo familiar e acordos de sócios são essenciais para evitar conflitos. Por exemplo, definir critérios claros para a entrada de herdeiros na empresa, como experiência externa ou formação específica, assegura que apenas os preparados assumam cargos estratégicos.

A criação de uma holding familiar também tem se mostrado eficaz. Essa estrutura centraliza o controle patrimonial e facilita a transição geracional, além de oferecer vantagens tributárias. Empresas como a Weg e a Gerdau utilizam holdings para manter o legado enquanto se adaptam a mercados dinâmicos.

Por que muitas famílias ainda resistem?

Apesar dos benefícios, a implementação do conselho de herdeiros enfrenta resistências. Muitos patriarcas relutam em dividir o poder, e a falta de comunicação entre gerações pode gerar desconfiança. Helena Rocha, da PwC Brasil, alerta: "A ausência de diálogo e planejamento estratégico é a maior ameaça às empresas familiares". Além disso, 50% dos herdeiros não desejam atuar diretamente na gestão, exigindo estruturas que permitam a profissionalização externa sem romper o legado.

A solução está na capacitação contínua. Herdeiros como Cristiano Nichele, que assumiu a CEO após um processo mediado por consultores, destacam a importância de "decisões baseadas em critérios científicos, não emocionais". Experiências externas, como estágios em outras empresas, também são valorizadas para trazer inovação e reduzir o favoritismo.

Ao combinar educação, governança e diálogo, esse modelo permite que novas gerações honrem o passado enquanto constroem um futuro sustentável. 

O futuro das empresas familiares depende de uma nova mentalidade

O conselho de herdeiros não é apenas uma ferramenta de transição — é uma revolução na forma como as famílias empresárias encaram o legado. Ao combinar educação, governança e diálogo, esse modelo permite que novas gerações honrem o passado enquanto constroem um futuro sustentável. 

O desafio, agora, é romper com a cultura do improviso e adotar práticas estruturadas antes que crises sucessórias comprometam décadas de trabalho. Como sua empresa está preparando a próxima geração de líderes? A resposta pode definir não apenas o futuro do negócio, mas o impacto da família na economia e na sociedade.