Inteligência Artificial
Comportamento
CEO de Startup enfrentará julgamento por fraude
Entenda os detalhes do caso envolvendo inteligência artificial e a realidade oculta por trás das promessas
15/04/2025, 15:20
O Departamento de Justiça dos Estados Unidos está levando a julgamento Albert Saniger, fundador da startup Nate, por supostamente fraudar investidores ao arrecadar mais de US$ 50 milhões com promessas de uma tecnologia de inteligência artificial que, na realidade, não existia. A investigação revelou que o aplicativo, apresentado como uma solução revolucionária para automatizar compras online usando IA, era na verdade operado manualmente por centenas de trabalhadores filipinos contratados em um call center. Este caso está gerando repercussões significativas no mercado de tecnologia, sendo comparado a outros escândalos recentes envolvendo startups que exageraram suas capacidades tecnológicas.
A falsa promessa de automação por inteligência artificial
A Nate foi fundada por Albert Saniger por volta de 2018, com o lançamento oficial do aplicativo homônimo ocorrendo em julho de 2020. A proposta de negócio era extremamente atraente: um aplicativo que funcionava como um "carrinho de compras universal" capaz de automatizar todo o processo de compra online em diferentes sites de comércio eletrônico com apenas um clique. O aplicativo prometia preencher automaticamente dados de pagamento, endereço de entrega e confirmar compras sem qualquer intervenção humana, cobrando apenas US$ 1 por transação.
Saniger afirmava publicamente que a tecnologia da Nate era capaz de completar as compras com taxas de sucesso entre 93% e 97%, utilizando redes neurais sofisticadas que imitavam decisões humanas. A startup apresentava-se como uma inovação disruptiva no mercado de e-commerce, prometendo aos usuários conveniência sem precedentes na realização de compras online através de uma tecnologia de ponta baseada em inteligência artificial.
O discurso tecnológico avançado foi suficiente para convencer não apenas usuários, mas também investidores de grande porte que apostaram na suposta inovação. A promessa de uma solução que simplificaria radicalmente o comércio eletrônico através de IA avançada foi o carro-chefe da comunicação da empresa com o mercado financeiro.
Embora a empresa tenha adquirido tecnologia de inteligência artificial de terceiros e contratado cientistas de dados para desenvolvê-la, o aplicativo nunca conseguiu alcançar a capacidade de concluir compras online de forma consistente e autônoma.
A realidade por trás da operação da Nate
Contrariando as afirmações públicas de Saniger, a investigação do Departamento de Justiça americano descobriu que o aplicativo Nate operava de forma completamente diferente do anunciado. Em vez de utilizar inteligência artificial sofisticada, a empresa empregava centenas de "assistentes de compras" humanos em um call center nas Filipinas, que concluíam manualmente as compras realizadas pelos usuários do aplicativo.
Documentos judiciais revelam que a taxa real de automação do aplicativo era praticamente zero, apesar das constantes afirmações públicas de que o processo era quase totalmente automatizado por IA. Embora a empresa tenha adquirido tecnologia de inteligência artificial de terceiros e contratado cientistas de dados para desenvolvê-la, o aplicativo nunca conseguiu alcançar a capacidade de concluir compras online de forma consistente e autônoma.
Os primeiros indícios de que algo estava errado começaram a surgir quando usuários do aplicativo notaram que algumas compras levavam horas para serem processadas, contradizendo a promessa de automação instantânea. Esse comportamento inconsistente do sistema acabou levantando suspeitas sobre a verdadeira natureza da tecnologia por trás do aplicativo.
O esquema de captação de investimentos
Entre 2018 e 2023, a Nate conseguiu levantar quantias expressivas junto a investidores. Os valores mencionados nas fontes variam entre US$ 40 milhões e US$ 88 milhões (aproximadamente R$ 293 milhões na cotação atual). A captação desses recursos foi possível graças à narrativa construída por Saniger sobre uma tecnologia de IA proprietária que, segundo as investigações, nunca existiu de fato.
De acordo com Matthew Podolsky, procurador interino dos EUA em Nova York, "Albert Saniger enganou os investidores ao explorar a promessa e o apelo da tecnologia de IA para construir uma narrativa falsa de inovação que nunca existiu". Os documentos judiciais indicam que Saniger teria deliberadamente instruído funcionários a esconder a verdadeira natureza da operação da Nate, restringindo o acesso aos dados do serviço mesmo para a maioria dos colaboradores da empresa.
A investigação revelou que Saniger mantinha um controle rigoroso sobre as informações internas da empresa, assegurando que poucos funcionários soubessem que o aplicativo dependia quase exclusivamente de trabalho humano em vez da tecnologia de IA promovida publicamente. Esta estratégia de compartimentalização das informações ajudou a manter o esquema funcionando por vários anos.
A exposição da fraude
O início do fim da Nate começou em 2022, quando o site de tecnologia The Information publicou uma investigação revelando que o aplicativo que prometia automação por IA na verdade dependia principalmente de trabalho humano. A reportagem expôs que o call center nas Filipinas era o verdadeiro motor por trás do serviço, e não os algoritmos avançados de inteligência artificial como anunciado.
Após a exposição pública, Saniger teria tentado salvar a operação ordenando o desenvolvimento de bots automatizados para complementar o trabalho manual - ironicamente, uma tecnologia que ele mesmo havia criticado publicamente como "bots burros". Contudo, essa tentativa de implementar algum nível de automação veio tarde demais para salvar a empresa.
Em janeiro de 2023, aproximadamente seis meses após as revelações, a Nate ficou sem liquidez e foi forçada a vender seus ativos, com Saniger demitindo todos os funcionários da empresa. De acordo com documentos judiciais, os investidores sofreram perdas "quase totais", não conseguindo recuperar os recursos investidos na startup.
As acusações formais e possíveis consequências
Em abril de 2025, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos formalizou as acusações contra Albert Saniger, incluindo um crime de fraude de valores mobiliários e um crime de fraude eletrônica. Paralelamente, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC) apresentou uma ação civil contra o ex-CEO.
Cada uma das acusações criminais carrega uma pena máxima de 20 anos de prisão, o que significa que Saniger pode enfrentar até 40 anos de reclusão se for considerado culpado em ambas as acusações. A ação civil da SEC busca adicionalmente impedir que Saniger ocupe cargos em empresas semelhantes no futuro e pede a devolução dos recursos aos investidores lesados.
Após deixar a Nate em 2023, Albert Saniger aparentemente seguiu sua carreira como investidor. Segundo algumas fontes, ele passou a atuar como sócio de uma firma de capital de risco chamada Buttercore ou como diretor de um fundo de investimento, embora não haja detalhes sobre como essas atividades podem ser afetadas pelas acusações atuais.
O impacto no ecossistema de tecnologia e investimentos
O caso Nate levanta questões importantes sobre a verificação diligente de startups de tecnologia e o potencial para fraudes no setor de inteligência artificial, um campo que atrai imenso interesse e investimentos. O procurador Matthew Podolsky destacou que "esse tipo de engano não apenas prejudica investidores inocentes, como também desvia capital de startups legítimas, gera desconfiança em relação a avanços reais e, no fim, atrasa o progresso do desenvolvimento da IA".
O escândalo se soma a outros casos de empresas de tecnologia que exageraram suas capacidades, como a Theranos de Elizabeth Holmes, mencionada em algumas das fontes como um exemplo comparável de fraude tecnológica. Esses casos têm levado a um crescente ceticismo em relação a startups que prometem avanços revolucionários em tecnologias emergentes como a IA.
Em um momento em que a inteligência artificial se torna cada vez mais central para a inovação tecnológica, casos como o da Nate podem resultar em maior escrutínio regulatório e cautela por parte de investidores ao avaliar startups que alegam possuir tecnologias de IA disruptivas.
O caso de Albert Saniger e da startup Nate ilustra os riscos associados ao atual entusiasmo com tecnologias de inteligência artificial e como esse entusiasmo pode ser explorado para fins fraudulentos. A discrepância entre as promessas públicas de tecnologia avançada e a realidade operacional da empresa - dependente de trabalho humano manual - resultou em acusações criminais graves que podem levar a décadas de prisão para o fundador.
Este caso provavelmente servirá como um alerta para investidores sobre a importância da verificação técnica rigorosa antes de comprometer recursos em startups de tecnologia, especialmente aquelas que prometem avanços revolucionários em IA. Também levanta questões sobre a necessidade de maior transparência e possivelmente regulamentação mais rigorosa no setor de tecnologia emergente para proteger tanto investidores quanto consumidores.
O julgamento de Saniger, que deve ocorrer nos próximos meses, será acompanhado de perto pela indústria de tecnologia e pela comunidade de investidores, podendo estabelecer precedentes importantes para casos futuros envolvendo fraudes relacionadas a tecnologias emergentes.
Fonte: Tech Crunch